Keila Málaque
Quando olhei o desenho da propriedade do bisavô João Rufino Sant’Ana no processo de divisão das terras do Três Coqueiros, de 1925, não acreditei. No desenho do engenheiro, as terras do bisavô ficavam do lado esquerdo do Ribeirão da Figueira, e não no direito, como todo mundo falava: minha mãe, seu Pérsio, os antigos, todo mundo!
Pensei, pensei, e sem atinar com uma saída, passei o desenho pro meu irmão analisar. Com a autoridade de irmão mais velho (e engenheiro), ele virou o papel de ponta cabeça, depois pra direita, pra esquerda, mordeu os lábios e enrugou a testa. Minha mãe, desconfiando que a gente desconfiava dela, olhou atarantada pro desenho: ”— Não é possível! As terras do vô eram do lado direito, tenho certeza!”.
Frustrada, eu saí da sala. Teriam os antigos cometido um erro tão básico? O engenheiro era detalhista, estava tudo ali: as coordenadas, os 23 alqueires, o pomar de laranjas, o cultivado (de café, imagino), as benfeitorias, e mais perto do rio, o monjolo e o chiqueirão. Também estavam o saltinho da Figueira e as propriedades vizinhas – do Seu João Rodrigues, do Anfrísio, do Zé Lino (mais acima), e de outros vizinhos (Luiz Gonzaga e Lázaro Libório). Sim senhor, como é que a gente vai confiar nos antigos desse jeito? Se erram nisso, podem errar no resto.
Quando voltei pra sala mais tarde, meu irmão continuava com o papel na mão, mas dessa vez com um sorriso vitorioso no rosto. “— Já sei o que aconteceu! A direção do rio tá errada no desenho”. Trezentos quilos me caíram dos ombros: se o rio corre do outro lado, a honra dos antigos está salva. Quem errou foi o engenheiro!
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